sexta-feira, janeiro 26, 2007

Educação social de rua

Oliveira, Walter Ferreira de (2004) Alegre: Artmed.
250 pp.
ISBN 85 363 0326-3
Resenhado por Vanise dos Santos Gomes
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Junho 16, 2006


Escrita reflexiva, convidativa ao questionamento, instigante à
leitura. Poderia assim adjetivar o livro escrito por Walter
Ferreira de Oliveira. Com 223 páginas, o autor utiliza-se de
grande sensibilidade e apurado sentido social crítico na escrita
dos oito capítulos que compõem “Educação social de rua: as bases
políticas e pedagógicas para uma educação social”. Propõe repensares a
respeito de problemáticas sociais em nada recentes como a
pobreza, buscando, na dinâmica de olhares contestadores e
analíticos sobre a sociedade, um entendimento a respeito da
realidade vivenciada por meninos “de rua” de São Paulo e do
trabalho desenvolvido por educadores sociais de rua.
Walter de Oliveira bem expressa, logo na apresentação
de seu trabalho, que, “em meio ao clima de desesperança que
hoje vivemos no país, o objeto deste livro é uma prática plena
de otimismo consciente” (p.18). Pode-se dizer que sua escrita transforma-se em importante
ferramenta nas mãos de educadores, incentivando o conhecimento crítico do trabalho
daqueles envolvidos com a educação social de rua (ESR), bem como a compreensão de tal
trabalho dentro do específico contexto político-econômico em que é gerado.
É um livro de denúncias e de esperanças, de otimismo consciente, como diz o autor.
Consciente, porque suas argumentações não se prendem às tramas da ingenuidade, às
amarras do apenas olhar a realidade produzida em relação à pobreza, por exemplo, sem a
compreensão de seus porquês. É consciente, porque denuncia fatos, analisa-os, busca a
promoção de seu entendimento. É otimista porque faz da denúncia um instrumento de
crítica com vias para repensares e reconstruções.

Tendo, como foco central de análise o trabalho de educadores sociais de rua em São
Paulo, o livro materializa produções construídas a partir do curso de Doutorado realizado na
Universidade de Minnesota, expressando, também, caminhadas profissionais mais antigas da Educação Social de Rua 2 que apontam para os estudos realizados no curso de Mestrado em Saúde Pública, feito na mesma Universidade.

Walter de Oliveira demonstra ser escritor crítico e comprometido com o outro que é
excluído, compromisso este que se foi tecendo nas tramas de sua vida profissional, tendo
como nascente o interesse pelo fenômeno “meninos de rua”, quando trabalhava, enquanto
médico recém-formado, no interior do Estado do Rio de Janeiro.

Um trailer o levava ao interior daquele município por conta de sua participação em
um projeto de saúde pública. Ao seu olhar atento, não escaparam as características da escola
próxima ao local onde prestava seus atendimentos, como, por exemplo, a desvalorização da
cultura local. O que era característico da zona rural, como os frutos obtidos através das
plantações, não se fazia presente na escola. Além disso, a voz alterada das professoras para
com os alunos chegava até seu consultório como uma mensagem de não-comunicação entre
educando e educador.

A tensão entre a percepção das professoras a respeito de seus alunos e a sua própria
a respeito das mesmas crianças despertou a atenção de Walter e revelam, aqui, muitas das
nascentes de seus interesses enquanto pesquisador. Através deste olhar para trás e busca, no
já vivido, de causas de motivações atuais, é possível situar a produção de Walter dentro de
uma perspectiva que abrange seus percursos profissionais. Percursos estes que se vão
fazendo presentes nas palavras que escolhe para escrever seu livro, que se esparramam por
sua produção, significam suas escolhas temáticas, humanizam sua escrita.

Entre as contribuições de seus escritos para a educação brasileira, pode-se afirmar o
fato de seu livro compor um importante instrumento desafiador para analisar as estruturas
sociais atuais de forma historicamente contextualizada. Neste contexto, são levantadas para
análise questões relativas à pobreza, buscando-se compreendê-la a partir de uma séria e
comprometida análise dos fatores geradores de tal situação.

Tendo os holofotes de sua atenção direcionados para o trabalho desenvolvido por
educadores sociais de rua, o autor dá voz a tais educadores que, muitas vezes, percebem seus
trabalhos postos no anonimato. Mostra que eles têm rostos, voz, desejo. Coloca seus
trabalhos em evidência. Convida o leitor, a todo instante, a percorrer os caminhos por onde
esteve por ocasião da produção de seu trabalho de campo. Descreve ambientes, experiências,
pessoas, situações. Escreve sobre a proposta de trabalho dos educadores quando em ação
nas ruas. Empresta-nos seus olhos para que possamos também olhar a experiência destes
educadores de rua. Instiga-nos à leitura através de uma escrita perpassada por uma apurada e
refinada criticidade e sensibilidade.

A temática trabalhada é muito bem contextualizada a partir do exposto no capítulo 1,
“Educação social de rua: o que é e como surgiu”, quando explicita os cenários em que a educação
social de rua primeiramente manifestou-se, apresentando, desta forma, um relatório
histórico. Também neste capítulo, Walter Oliveira contextualiza a nascente de sua paixão
pela ESR, expondo, assim, os trajetos profissionais vivenciados. Não se detém em meras
descrições do vivido, mas avança para o campo da reflexão sobre a ação e, assim, constrói
mapas de caminhos percorridos e de questões problematizadas. Tais questões em muito
contribuem para que o leitor possa melhor compreender a ligação que o autor tem com a
temática que estuda.

No capítulo 2, “O universo dos meninos e das meninas de rua”, a maneira didática com que
as discussões são apresentadas incentiva à leitura. Quem são os meninos e meninas que têm
na rua sua moradia primeira? O que constitui a sub-cultura de rua? De que forma os
moradores da rua se constituem enquanto tal e, assim, constroem para si uma determinada
identidade? Nas tramas de suas relações entre si e com a sociedade, que culturas particulares
emergem, que formas de viver são expressadas? Estas são algumas das questões trabalhadas
neste capítulo, evoluindo de forma a possibilitar ao leitor uma aproximação das experiências
vivenciadas pelo autor.

Walter Oliveira passa a colocar em destaque, a partir do capítulo 2, a voz dos
educadores na materialização das palavras escritas. São citações que trazem ainda mais
dinamismo ao texto. Os depoimentos destes educadores contribuem para legitimar as
discussões emergentes. São palavras de pessoas que vão às ruas carregando a bandeira do
ideal de uma sociedade mais igual, que buscam estratégias de trabalho para que a realidade tal
como existe seja compreendida dentro de uma perspectiva histórica. São educadores que
buscam mediar o construir de uma conscientização por parte dos meninos e meninas de rua.
O contexto histórico, político, social, econômico e cultural do surgimento da
educação de rua no Brasil é trabalhado no capítulo 3, o qual intitulou “A emergência da educação
de rua no Brasil”. Como delimitação temporal, o autor detém-se nos anos entre 1970 e 1993.
Traz ao conhecimento do leitor, então, contextos específicos nos quais a ESR foi
impulsionada, respaldando, neste sentido, a fundamentação para um entendimento factual da
história da ESR no Brasil.

É com o título de “Pedagogia social na rua: a politização da espiritualidade”que Walter
Oliveira inaugura o capítulo quarto de sua obra, promovendo análises a respeito dos modos
como os educadores organizam sua “ação social e os fundamentos teóricos e práticos que
caracterizam esta ação”(p.87). Tais discussões são inauguradas como forma de possibilitar ao
leitor um panorama geral de campos teóricos de referência para a ESR. Centra sua atenção,
principalmente, em Paulo Freire, sobretudo na “Pedagogia do Oprimido”, assim como em
referenciais propostos pela Teologia da Libertação e pela Pedagogia da Presença.

Chama a atenção para as importantes contribuições do educador Paulo Freire para a
ESR. Enfatiza, neste sentido, que as problematizações por ele propiciadas a respeito da
realidade social vigente do oprimido e do opressor fornecem, aos educadores sociais de rua
da Praça da Sé, ferramentas para a compreensão da sociedade por meio de um olhar humano
que, acima de tudo, propõe-se à luta contra a opressão. As palavras de Walter, encontradas
na página 91, explicitam idéias construídas pelos educadores a partir da apropriação do
pressuposto Freireano: “[…] A partir daí, a intenção dos educadores de rua era ajudar as
crianças de rua, mas com respostas que transcendessem a assistência social. A expectativa do
educador era oferecer, além de seus serviços profissionais de pedagogo, compromisso
pessoal, envolvimento político e investimento emocional”.

No capítulo 5, sob o título de “Dos educadores românticos aos paladinos da lei”, o autor
fornece informações e análises a respeito do processo de constituição da ESR, abordando
seu surgimento, expansão e desenvolvimento. Escreve o texto de forma clara e pontual,
situando o leitor nas principais fases da ESR: romântica, política, profissional e legal. Ainda
traça esclarecimentos sobre a Pedagogia da Presença, a Pedagogia Política, a Pedagogia em
Meio Aberto e a Pedagogia de Direitos, pedagogias estas consideradas referências para os
educadores.

“A História Vivida nas Ruas: a prática cotidiana dos educadores sociais”, título dado ao sexto
capítulo de seu livro, representa a sistematização de achados elaborados a partir da
observação participante do trabalho de cinco professores (dos cinqüenta entrevistados e
acompanhados durantes os anos de 1992 e 1993) pertencentes a várias orientações filosóficas
e gerações de educação social, realizadas no percurso das saídas a campo. Mais do que
nunca, são múltiplas as vozes que se manifestam e que, juntamente com o autor, contam
vivências e experiências.

Educação Social de Rua 4

As descrições competentes feitas por Walter de Oliveira situam o leitor nos cenários
das experiências contadas, instigam-no a “caminhar” com ele e com os educadores por entre
ruas de São Paulo, a escutar estes profissionais, a compartilhar sentimentos de alegria e de
dor, ambos descritos como presentes em seus trabalhos. Neste capítulo, a atuação dos
educadores é observada de perto, sendo, para o leitor, quase que como uma real experiência
de participação, tão intensos são os diálogos, descrições e análises feitas por Walter.

Os Educadores Sociais continuam a ter voz ativa no capítulo que se segue, onde o
autor aborda temas emergentes anunciados pelos educadores. Suas vozes, assim, são o ponto
central do capítulo 7, denominado “O processo pedagógico social: fazendo, sendo e vindo a ser”. São as falas de 48 educadores entrevistados durante o ano de 1992 que ali se fazem presentes.
Educadores estes, conforme expressa o autor, que representam “diferentes gerações
profissionais, filosóficas, orientações ocupacionais e origem sócio-cultural” (p.172).
É interessante salientar que a ampla e diversificada amostra trabalhada pelo autor possibilita
riqueza na análise, promovendo uma compreensão mais abrangente da realidade estudada.
Já no título desta parte de seu trabalho, o autor anuncia o entendimento do processo
pedagógico como um curso contínuo e dinâmico. Nas formas verbais “fazendo”, “sendo”, e
“vindo a ser”, expressa dinamismo e uma visão que não se aprisiona em compreensões
limitadas sobre o fazer pedagógico nem, sobretudo, sobre os profissionais tecedores de tal
fazer.

Neste capítulo, é possível não somente “visualizar” os rostos particulares dos
educadores sociais participantes da pesquisa, mas também perceber suas feições próprias
construídas através de histórias pessoais e profissionais singulares. Motivos, desejos,
temores, propostas, alegrias, tristezas, esperanças. Todos, sentimentos que vão sendo
enunciados por diferentes vozes, com diferentes tons muito bem percebidos e escritos pelo
autor. Dilemas vivenciados pelos educadores são postos em evidência. No fluir de suas falas,
capturadas pela escrita de Walter, sentimentos ganham palavras. E palavras são pronunciadas
para contar ao outro significados do trabalho com a educação social de rua.

Na página 172, o autor expressa que “entender o trabalho dos Educadores Sociais
significa explorar, portanto, não só as suas práticas pedagógicas e comportamentais, mas
também o todo de suas realidades existenciais, sociais e políticas”. Para além do olhar técnico
sobre o educador, o autor olha-o com humanidade e respeito, respeito este que se manifesta
por meio da compreensão de que práticas pedagógicas específicas são produções de também
específicas formas de viver as relações no mundo e de lidar com as teorias disponíveis.
Walter continua, na mesma página, dizendo que “ […] adquirir um senso de quem são estes
educadores, o que fazem e porque é entendê-los como profissionais e como seres humanos,
com contradições, verdades e incertezas que se exteriorizam em suas atividades e crenças”.
O autor dedica o último capítulo de seu livro, “O novo contexto sóciopolítico e a nova
pedagogia social-popular”, a uma discussão crítica a respeito da realidade brasileira em relação à temática a que propõe estudo. Desta forma, traz à lembrança discursos de políticos a
respeito dos “meninos de rua”, assim como reportagens divulgadas na imprensa escrita que
enfocam esta mesma temática.

Denuncia políticas sociais para a infância e a adolescência como incapazes de desatar
“um nó crítico, que é o que fazer com/para os filhos da pobreza” (p.197). Afirma a
importância dos Conselhos Municipais de Direito e dos Conselhos Tutelares (Cts), denuncia
negligências e incompetências políticas, analisa o fenômeno da violência sob perspectivas
que possibilitam pensar o cenário político e social em que é gerado, desconectando-o, assim,
de uma vinculação exclusiva entre pobreza e violência. Chama a atenção para o fenômeno da
globalização, para a ideologia neoliberal dentro do contexto atual.
Refere-se ao controle da linguagem sob a ótica da subjetividade, ao interesse na formação de “coletivos consumidores” em detrimento da valorização de “pessoas e cidadãos”. Fala de “pobreza ética, cultural e social”, em crimes de violência cometidos não por meninos de rua cuja
situação de pobreza manifesta-se nas ausências, mas por jovens de classes privilegiadas
economicamente.

O livro de Walter é um desafio a pensar a educaçãosde rua. É um convite a refletir
sobre as estruturas econômicas, sociais e políticas que produzem as desigualdades sociais e,
neste sentido, constroem realidades como o crime e a impunidade. De forma crítica, analisa a
temática proposta, denunciando estruturações sociais geradoras de exclusão.
Indo além da simples visualização dos meninos e meninas de rua como sujeitos com
características de demérito, Walter busca possibilitar uma compreensão mais ampla e crítica
do assunto. Não deixa de abordar questões como o roubo cometido por crianças moradoras
de rua nem trata o assunto de forma a romantizar a questão. Ao invés disso, propõe
criticidade e lembra que meninos e meninas de rua vivenciam uma realidade que é
conseqüência de uma determinada estrutura social. Superando a condenação, então, Walter
propõe o lançamento de um olhar humano e exigente de uma compreensão não ingênua
sobre estruturas sociais e suas políticas de manutenção.
Dar conta, em apenas algumas páginas, de importantes questões trazidas pelo autor
seria uma meta não alcançável. Porém, é possível, sim, trazer à evidência impregnações
presentes no texto do autor que, ainda que produzidas aqui de forma sintetizada, dão-nos
noção das “paisagens” traçadas por Walter. Desenvolvendo suas idéias de modo claro e
sempre convidativo à leitura, o texto evolui com fluidez. Com discussões conectadas entre si
e bem elaboradas, o autor tece teias argumentativas sobre a temática a que se propõe o
estudo. E não fala sozinho. Ecoa, com a sua palavra, a voz de Educadores Sociais de Rua.
Expressa Walter, na página 217, que “um paradoxo do sofrimento é que ele pode
estimular a criatividade na tentativa da superação. Há muito sofrimento e, portanto, um
potencial de muita criatividade em todos os países”. São estas palavras que bem expressam
as características deste profissional. Representam denúncia e também esperança. Walter
Oliveira é um “otimista consciente”.

Acerca do autor do livro: Walter Ferreira de Oliveira Professor no Departamento de
Saúde Pública e chefe do Serviço de Saúde Pública do Hospital Universitário da
Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorado e mestrado pela Universidade de
Minnesota, nos Estados Unidos.

Acerca da autora da resenha: Vanise dos Santos Gomes Doutoranda em Educação pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), participante do
programada de Estágio de Doutorado/CAPES na Universidade da Califórnia, Los Angeles
(UCLA), pesquisadora da CAPES, Mestre em Educação pela PUCRS.
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Educação Social de Rua 6
Editor para Espanhol e Português
Gustavo E. Fischman
Arizona State University
e
Laboratório de Políticas Públicas (UERJ)

Editor Geral (inglês)
Gene V Glass
Arizona State University

Editora de Resenhas Breves (inglês)
Kate Corby
Michigan State University
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