quinta-feira, agosto 11, 2005

Educador Social - Especialistas de Mãos Vazias

Agradecendo, desde já, ao jornal a Página o privilégio de abrir este novo espaço, começo por esclarecer que não sou educadora social. Sou, com muito prazer, educadora-professora e a minha área de investigação é a Filosofia, essa disciplina que alguns consideram um "luxo" desnecessário nos currículos escolares. Como se a capacidade de problematização, exigida pela era tecnológica em que vivemos, dispensasse a procura de sentido própria de uma forma de conhecimento que se afirma como interrogação radical e como fome insaciável de infinito.Foi a oportunidade de trabalhar no âmbito da licenciatura de Educação Social, na Universidade Portucalense, que despertou o meu interesse sobre a profissão de educador social. Nos últimos dois anos pude acompanhar uma pluralidade de projectos de intervenção socio-pedagógica junto de pessoas, de famílias e de comunidades, em territórios educativos, estabelecimentos prisionais, instituições privadas e públicas de solidariedade social, ONGDS e autarquias. Posso, pois, dar testemunho sobre a pertinência de uma acção pedagógica nestes contextos.A profissão de educador social existe na maior parte dos países europeus há algum tempo, mas surge particularmente valorizada num contexto social marcado pela crise do "Estado Providência". A concepção tradicional dos direitos sociais, ligada à identificação entre solidariedade e segurança social que subjaz ao "Estado Providência", tem-se revelado inoperante para equacionar problemas como a precariedade das relações de trabalho, o desemprego, a pobreza e todas as formas de exclusão que marcam a contemporaneidade, conforme denuncia Rosanvallon (1995). Ao contrário do que nos habituámos a pensar, os riscos de ruptura social não estão repartidos de forma igual e nem são de natureza aleatória como se dependessem apenas de acidentes da vida como a doença, a morte ou o desemprego temporário. Hoje, os fenómenos de exclusão não se referem a situações conjunturais mas a estados duráveis de privação de direitos de cidadania. Face a esta nova realidade, os antigos métodos de gestão do social tornaram-se insuficientes e mesmo desadequados.Precisamente, é no quadro de uma nova política social, reclamada pela sociedade que desejamos mais inclusiva e mais solidária, que a educação surge valorizada enquanto lugar de formação que potencia a possibilidade de as pessoas definirem, por si próprias, as coordenadas da sua vida e da sua participação cívica.Obedecendo a uma lógica humanista e não humanitária, de acordo com uma distinção cara a Paulo Freire, a educação permite contrariar as perspectivas redutoras que apresentam as pessoas como meros "recursos humanos" ou como meros "beneficiários do desenvolvimento", valorizando-as como sujeitos capazes de participação. Uma participação que, como sublinha Rosanvallon, funciona como moeda de duas faces indissociáveis: o direito de inserção e o dever de implicação.Educar para o desenvolvimento humano implica ter em conta as pessoas, os seus rostos, as suas necessidades, os seus desejos e as suas escolhas. Devendo, neste sentido, os educadores apresentar-se como "especialistas de mãos vazias", como defende Jean Vassileff (1998). Os educadores sociais não têm soluções para a pluralidade de problemas que encontram. Todavia, apoiados num saber profissional próprio, propõem-se ajudar as pessoas a conceber projectos de acção que permitam mudar as suas condições de vida. Uma tarefa que, não sendo fácil, deve ser encarada com o optimismo inerente a uma intervenção pedagógica.Mas a profissão de educador social não está exclusivamente vocacionada para uma intervenção junto de pessoas e comunidades consideradas em situação de risco. Estando especialmente capacitados para trabalhar no âmbito de uma educação não formal, os educadores sociais podem, em estreita colaboração com outros educadores, dinamizar projectos educativos extra-escolares, promover a mediação entre a escola e as famílias, dinamizar actividades de tempos livres, etc. De mãos vazias, sem trunfos escondidos na manga, sem receitas miraculosas e sem respostas prontas, mas com dedicação, profissionalismo e sentido ético, os educadores sociais têm um contributo decisivo a dar na realização prática do ideal de uma educação durante toda a vida e para todos.Até porque, como lembra o sociólogo Robert Castel (1995), quando focamos a nossa atenção apenas nas margens da sociedade tendemos a esquecer que os problemas da exclusão começam a montante. Conforme já tive oportunidade de afirmar neste jornal (1998), para que possamos ver concretizada a meta de uma educação para todos não basta lutar por uma escola mais inclusiva, ainda que esta seja uma batalha necessária. É preciso, também, apostar na inclusão social da escola e na sua articulação com outros espaços educativos. Em termos de identidade profissional, podemos dizer que, situados entre os educadores-professores e os trabalhadores sociais, os educadores sociais têm uma "profissão híbrida". Com os primeiros partilham o mesmo saber profissional de referência, o saber pedagógico. Com os segundos partilham os mesmos territórios de intervenção. Ou seja, da mesma forma que outros educadores possuem, para lá de um saber profissional comum, habilitações próprias para o exercício de funções docentes em determinados sectores de ensino, os educadores sociais estão especificamente preparados para desenvolver uma acção educativa em espaços socio-comunitários. É aqui que o seu trabalho se cruza com o de outros trabalhadores sociais. Uma proximidade vivida no terreno mas que, todavia, não pode servir para ocultar o facto de estarmos perante profissões distintas em termos de referências teóricas, competências técnicas e objectivos de intervenção.Para além de se tratar de uma "profissão híbrida" que partilha território com a pluralidade de especializações existentes na área do trabalho social, a profissão de educador social sofre ainda das dificuldades inerentes a uma profissão emergente, pelo menos a nível nacional. Daqui decorre a ausência de uma cultura profissional que ajude a estreitar os laços de colegialidade, a racionalizar experiências e a consolidar saberes no sentido de uma afirmação progressiva de identidade e de autonomia.Esta profissão precisa, urgentemente, de um enquadramento institucional em termos de carreira e de um reconhecimento público que faça justiça à relevância da sua função social. É neste sentido que deixo aqui o apelo a uma participação empenhada neste novo espaço do jornal a Página. Um apelo dirigido a todos quantos se interessam pela educação e pela intervenção social, mas dirigido de uma forma muito especial aos educadores sociais. Aproveitem esta oportunidade para partilhar as vossas experiências, para debater as vossas ideias e para fazer ouvir a vossa voz, dando assim visibilidade ao trabalho extraordinário que realizam, mesmo partindo para o terreno de mãos vazias.
Isabel BaptistaUniversidade portucalense / Porto

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