quinta-feira, agosto 11, 2005

PEDAGOGIA E A PEDAGOGIA SOCIAL: EDUCAÇÃO NÃO FORMAL

Profa. Dra. Evelcy Monteiro Machado
evelcy.machado@utp.br
Mestrado em Educação
Universidade Tuiuti do Paraná

O Curso de Pedagogia no Brasil, desde sua origem em 1930, tem se centrado nas questões relacionadas à formação do educador para atuar na educação formal, regular e escolar. As três regulamentações do Curso, ocorridas em 1939, 1962 e 1969, propiciaram pouca flexilibilização e inovações nos projetos das instituições formadoras, já que continham um currículo mínimo indicado que era implantado como referência nacional.
A Reforma da Educação ocorrida em 1996 rompe com a tradição da oferta padrão – o currículo mínimo é substituído por diretrizes curriculares – além de possibilitar diversidade e diversificação de projetos educacionais.
Na tramitação da nova regulamentação do Curso se acentua o debate sobre a formação e trabalho do pedagogo. Além de questões conflitantes, como a proposta de fragmentação do trabalho do pedagogo, com a restrição da formação para a docência e ênfase na gestão e da proposta de novos agentes formadores para docência (os Institutos Superiores de Educação), são incluídas nas discussões novas demandas de trabalho que propiciam atuação em diferentes espaços.
O presente texto teórico-reflexivo pretende situar, a Pedagogia como perspectiva de inovação para o Curso de Pedagogia em relação à questão da educação fora da escola. A sociedade moderna apresenta demandas sócio-educacionais que ultrapassam os limites formais e regulares da escola. Apesar de ainda não esgotado o debate sobre a questão prioritária da educação escolar básica, essas novas demandas se incorporam aos desafios à formação do educador, já que são crescentes as intervenções e ações educativas em âmbitos, meios e organizações diferenciados do sistema educacional. As perspectivas de educação permanente e educação ao longo da vida também ratificam a necessidade de se discutir a educação além dos limites da escola.
Dessa forma, a Pedagogia Social se insere no debate como a ciência que referenda políticas de formação do educador para atuar na área social e como prática intervencionista, justificando-se, assim, a dimensão teórico-prática nesta discussão.
A Pedagogia Social apresenta-se, nos diferentes autores, como uma ciência que propicia a criação de conhecimentos, como uma disciplina que possibilita sistematização, reorganização e transmissão de conhecimentos e como uma profissão com dimensão prática, com ações orientadas e intencionais.
Como ciência, traz implícitos critérios e paradigmas próprios das teorias e da metodologia das ciências. É ciência da Educação, que se identifica com o saber que se constrói na Pedagogia, dividindo espaço e diferenciando-se da Sociologia, da Antropologia e da História da Educação. Associada à Sociologia da Educação na metade do século XX atualmente se especifica com clareza e distinção frente a outras áreas. O objeto formal da Pedagogia Social é a intervenção na realidade, como ciência normativa, comprometida com o fazer. Apropria-se da análise de indivíduos e da sociedade desenvolvida por outras áreas. Necessita, portanto, de outras ciências que lhe dêem suporte à ação.
Enquanto teoria e/ou prática, a Pedagogia Social, fundamentada e presente em diversos países, atende a critérios que a caracterizam por possuir condições de desenvolvimento intelectual da área, estrutura acadêmica, estrutura social com associações, publicações especializadas, além de ter um título profissional, código próprio e marco deontológico. Nos países da América Latina, entre os quais o Brasil, a Pedagogia Social, apesar de praticamente desconhecida enquanto abordagem teórica e qualificação profissional regular, está presente em intervenções de diferentes naturezas.
Ainda que as intervenções sócio-educacionais estejam presentes em diferentes espaços formais e não formais da educação a expansão e a consolidação da Pedagogia Social ocorre na educação não formal. Essa educação não formal que se amplia nas ofertas é para Trilla1 “o conjunto de processos, meios e instituições específicas organizadas em função de objetivos explícitos de formação ou instrução que não estão diretamente vinculados à obtenção de graus próprios do sistema educativo formal”. É distinta da escola, mas é ato planejado, intencional e apresenta organização específica. Tal espaço está presente na LDB de 1996 que amplia a concepção de educação incluindo novos agentes e espaços educativos.
No Brasil, na década de 60, destacam-se os modelos de educação popular com a abordagem teórica desenvolvida por Paulo Freire para a educação de adultos com abordagem teórica desenvolvida por Paulo Freire. A pedagogia de Freire difundiu-se e influenciou nas campanhas de alfabetização.
Como vem ocorrendo em outros países, a prática tem pressionado para que se amplie o debate teórico. Assim, apesar de incipientes as discussões a respeito da área sócio-educacional como um todo, alguns aspectos específicos apresentam avanços.
Dessa forma as intervenções não formais que no início estiveram relacionadas a projetos de educação popular desarticulados ou a projetos exclusivamente assistencialistas têm se transformado e passam a incluir discussões sobre políticas sociais públicas para os setores específicos. A própria sociedade civil passa a participar desse debate, ainda que de maneira restrita, e a assumir responsabilidades práticas.
Na América Latina a educação popular se amplia na atenção a estruturas sociais diversificadas e com projetos educacionais relacionando a: 1) programas relativos a populações indígenas, nativas, referentes a questões de língua, multiculturalismo, identidade étnica, resistência à assimilação da cultura dominante; 2) programas de pesquisa participativa em ação de resgate à cultura e conhecimento popular para reapropriação do poder de grupos dominantes (de informação, de ideologia), apoiados na coerção e na força; 3) programas de participação comunitária, de identificação de programas educacionais, envolvendo pais, professores e alunos; 4) programas de educação popular relacionados a questões da terra, reforma agrária e educação rural; 5) programas de formação política por meio de recursos e atividades educacionais – alfabetização e necessidades de classes marginalizadas – para organização e mobilização na contestação de estruturas sociais e o poder do Estado.
Além desses programas de educação não formal são desenvolvidos com enfoques diferenciados projetos que priorizam atenção às classes menos favorecidas, na questão da cidadania, na questão de carências urbanas e rurais e nas situações de vícios e dependência de drogas.
Inclui-se, também, como programas de educação não formal com enfoques da Pedagogia Social as questões ecológicas, ambientais do trânsito, da terceira idade, das minorias (os sem-terra, os índios, a mulher, os negros, os presos, os hospitalizados), a questão cultural (desde o resgate de origens até a ampliação de horizontes), entre outras. Surgem outras demandas com atendimento em programas fora da escola regular formal – em geral desvinculados da Pedagogia Social. São relacionadas a escolas de música, línguas, esporte e comunicação; e ainda a questão da pedagogia na empresa, sob o enfoque de educação de adultos ou do treinamento de recursos humanos na perspectiva de modernização e formação de capital humano.
Na literatura espanhola, percebe-se que, para explicar as tendências atuais da Pedagogia Social, muitos autores retomam dados da evolução histórica do tema. Tal fato se justifica pela amplitude, variedade de enfoques, de orientações e perspectivas teóricas, presentes nas referências à Pedagogia Social. Para.Quintana5, uma das indicações mais constantes nos textos teóricos, as concepções presentes nos diversos autores podem ser organizadas em cinco grupos:
a) Pedagogia Social como doutrina da formação social do indivíduo. Representa o modo clássico de compreender a Pedagogia Social, que está latente na história da Pedagogia e é entendida como parte da Pedagogia Geral. Refere-se a preposições da educação para a vida em sociedade por intermédio de processos de socialização. Encontra-se em autores como H. Pestalozzi, H. Nohl e B. Suchodolski, e persiste nas discussões atuais.
b) A Pedagogia Social como doutrina da educação política e nacionalista do indivíduo. Como maneira radical de implementar a concepção anterior, compreende a educação do indivíduo para a sociedade, sendo esta identificada com o Estado. Apresentou-se como expressão mais contundente na Alemanha entre as duas guerras. Está presente em trabalhos como os de Hegel, G. Kerschensteiner, E. Krieck e G. Giese, e encontra-se superada na maioria dos países.
c) A Pedagogia Social como teoria da ação educadora da sociedade. Refere-se a propostas de extrair das cidades suas potencialidades educadoras. Extrapola-se da escola para a educação extra-escolar. Essa concepção de cidade educativa tem repercussão mais ampla na Itália. É defendida, entre outros, por A. Agazzi, por A. Fischer e pela UNESCO. Apesar de não ser destacada na classificação de Quintana, essa concepção está presente também na Espanha, citada, entre outros, por Requejo e Caride, por Trilla e divulgada nos países da América Latina.
d) A Pedagogia Social como doutrina de beneficência pró-infância e adolescência. Uma concepção voltada para atender a necessidades sociais, que extrapola a visão tradicional da educação escolar por se propor a intervir na sociedade. Surgiu no contexto de necessidade pós-guerra, na Alemanha, de atendimento a órfãos e desabrigados, inicialmente dirigida a crianças e, posteriormente, à juventude e a adultos. São representativos autores como Nohl; Mollenhaner; Baüner e Wilhelm. Nessa concepção, inclui-se o Trabalho Social, nas perspectivas atuais.
e) A Pedagogia Social como doutrina do sociologismo pedagógico. Objetiva a incorporação dos indivíduos a estruturas e circunstâncias sociais. Incorpora todas as formas de conceber Pedagogia Social, sendo mais do que uma disciplina ou corrente pedagógica, tornando-se uma Pedagogia Sociológica. Apesar de sua importante contribuição, como concepção de Pedagogia Social está superada. Está presente, entre outros, nos trabalhos de Natorp, Durkheim, Weber e Willmann.
As classificações têm auxiliado na busca do objeto da Pedagogia Social, por conter indicações sociais próprias da atualidade em que se consolida a necessidade de educação permanente, em que se discutem as relações entre educação formal, não formal e informal, em que se propõe que a escola possa ser entendida como educação comunitária, em que surgem novas formas de instituições educativas, em que os meios de comunicação de massa, já ao alcance de quase todos os segmentos da população, passam a estar presentes também na educação e, mais, no momento em que a própria cidade é vista como meio de educação, com a evolução dos estudos sobre cidades educadoras.
Assim, têm sido considerados, como objetos da Pedagogia Social, dois campos distintos: o primeiro referente à socialização do indivíduo, socialização compreendida como ciência pedagógica da educação social do indivíduo, que pode ser desenvolvida por pais, professores e família; o segundo relacionado ao trabalho social, com enfoque pedagógico, direcionado ao atendimento a necessidades humano sociais, desenvolvido por equipe multidisciplinar da qual participa o Educador Social, como profissional da Pedagogia Social.
Este profissional é definido, segundo Petrus, por dois âmbitos: pelo social, em função de seu trabalho, e pelo caráter interventivo de sua ação, cuja demarcação teórica persiste controvertida devido a ideologias, filosofia e visão antropológica. Petrus aponta que, de maneira geral, na Espanha, a educação social realizada e pensada apresenta função de ajuda educativa a pessoas ou grupos que configuram a realidade social menos favorecida, função validada constitucionalmente.
Além da intervenção sobre a inadaptação social, o autor destaca outros enfoques da educação social no contexto espanhol:
a) é compreendida como sinônimo de correta socialização;
b) pressupõe intervenção qualificada de profissionais, a ajuda de recursos e presença de umas determinadas circunstâncias sobre um sistema social;
c) refere-se também à aquisição de competências sociais;
d) representa o conjunto de estratégias e intervenções sócio-comunitárias no meio
social;
e) é concebida como formação social e política do indivíduo, como educação política do cidadão;
f) atua na prevenção de desvios sociais;
g) define-se como trabalho social, entendido, programado e realizado desde a perspectiva educativa e não meramente assistencialista;
h) é definida como ação educadora da sociedade.

Ressalta-se que o Educador Social tem a Pedagogia Social como referência. Distingue-se do Trabalhador Social pelo caráter de sua intervenção: o Educador Social atua no campo de intervenção sócio-educativa, enquanto ao Trabalhador Social compete a assistência social, a análise sistemática da realidade, a coleta de dados e de informações que subsidiam a própria intervenção do Educador Social.
Torna-se evidente o caráter interdisciplinar do trabalho social em ação. É a partir da integração em equipe, incluindo profissionais de diferentes áreas, que se viabilizam planos, programas, projetos de implementação, acompanhamento e avaliação nessa área.
A Pedagogia Social, como uma das áreas no campo de Trabalho Social, envolve uma série de especialidades que, na classificação de Quintana, são as seguintes:
01- atenção à infância com problemas (abandono, ambiente familiar desestruturado...);
02- atenção à adolescência (orientação pessoal e profissional, tempo livre, férias...);
03- atenção à juventude (política de juventude, associacionismo, voluntariado, atividades, emprego...)
04- atenção à família em suas necessidades existenciais (famílias desestruturadas, adoção, separações...);
05- atenção à terceira idade;
06- atenção aos deficientes físicos, sensoriais e psíquicos;
07- pedagogia hospitalar;
08- prevenção e tratamento das toxicomanias e do alcoolismo;
09- prevenção da delinqüência juvenil. (reeducação dos dissocializados);
10- atenção a grupos marginalizados (imigrantes, minorias étnicas, presos e ex- presidiários);
11- promoção da condição social da mulher;
12- educação de adultos
13- animação sócio-cultural.

Por serem decorrentes de necessidades sociais, essas áreas sofrem alterações. O próprio Quintana apresenta a questão dos meios de comunicação de massa e a polêmica em torno da existência ou não de uma Pedagogia Social dos meios de Comunicação Social. Coloca-se na defesa do duplo objeto da Pedagogia Social: socialização do indivíduo e Trabalho Social, remetendo à Pedagogia Especial as questões dos Meios de Comunicação, bem como da Pedagogia do Tempo Livre e Pedagogia Empresarial.
Para autores como Ventosa educação para o trabalho distingue-se de educação de adultos, pela natureza das propostas; inclui novas áreas como educação cívica e educação para a paz.
Entretanto, para fins de estruturação e estudo, pelas características próprias, as áreas de intervenção sócio-educacional podem ser organizadas em três grandes grupos que, separados ou integrados, respondem à diversidade de contextos e de intervenções. São eles: a Animação Sociocultural, a Educação de Adultos e a Educação Especializada.Ressalta-se, em conclusão, a necessidade de aprofundar discussões, ampliar domínio de conhecimentos teóricos e investir em pesquisas na área de Pedagogia Social – um dos desafios à formação do pedagogo – como alternativa à superação de práticas e intervenções sócio-educacionais determinadas pelo senso comum e pela cultura escola

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